quarta-feira, 29 de junho de 2011

Réquiem de Brahms - Ressurreição de Blog


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As primeiras frases da música esgueiravam-se, suaves, belas, quase pastorais, um pouco escuras por serem dedicadas exclusivamente aos instrumentos graves de cordas - os violinos só entram a partir do 2º movimento. Logo entrava o coro: 

Selig sind, die da Leid tragen,
denn sie sollen getröstet werden

Bem-aventurados os que padecem sofrimentos,
pois eles serão consolados

Estava estabelecida uma atmosfera de grande atenção, contemplação emotiva, de uma doce tensão, por assim dizer, que não seria quebrada durante os cerca de 70 minutos que dura o Réquiem Alemão de Johannes Brahms.
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Johannes Brahms por Eduardo Moctezuma


Então este foi mais um concerto oficial da OSPA. A Igreja da Ressurreição, nas dependências do Colégio Anchieta, nos recebeu pela segunda vez este ano; e revelou-se local mais do que adequado para esta genial obra do repertório sacro. Tirando o frio intenso, que nos fez sofrer muito no ensaio, mas que felizmente não conseguiu espantar o numeroso público. E, afinal de contas, recompensados foram os que aceitaram sofrer um pouco com a baixa temperatura.

O regente (Manfredo Schmiedt) e os solistas vocais (Susi Georgiadis e Daniel Germano) tiveram  excelente atuação. Foram realmente muito, muito bem. Quando à Orquestra, bem... a modéstia me impede de tecer maiores considerações.

A grande estrela do concerto, entretanto, foi o Coro Sinfônico da OSPA

O grupo vem progredindo de maneira consistente há muitos anos. Lembro-me muito bem da primeira vez que realizamos o Réquiem Alemão, com um grande regente convidado, Kurt Redel. Chegou-se a cogitar o cancelamento do concerto, pois às vésperas do mesmo, o coro mostrava enormes dificuldades para vencer os desafios vocais, melódicos, e harmônicos, da composição de Brahms. Houve um voto de confiança, muito trabalho, e, com grande superação pessoal de todos os envolvidos, conseguiu-se fazer o concerto. 

Ano passado levamos o Réquiem 2 vezes, uma em Novo Hamburgo, outra na Igreja São Pedro (se não me engano), aqui em PoA. O coro já não mostrava grande dificuldade "com as notas", por assim dizer. O texto musical estava seguro. Mas havia ainda dificuldades significativas com a afinação, nos trechos não apoiados pela orquestra, e nas complexas modulações brahmsianas. Havia tbém alguma dificuldade técnicas nas passagens agudas; por vezes o naipe de sopranos soava duro, um pouco gritado. Mesmo assim foi um belíssimo concerto, num nível muito superior àquele dos anos 90. 

A versão de ontem mostrou um coro quase que completamente seguro, à vontade. Vibrante, reagindo prontamente à direção do regente. Capaz de grandes contrastes dinâmicos. Capaz de se fazer ouvir sobre a orquestra, sem gritar. E aquelas passagens difíceis, que soavam mal ano passado? Não fui capaz de reidentificá-las. Pelo jeito deixaram de ser tão difíceis! Não é pouca coisa para um grupo não-profissional e não-remunerado, que dedica à música "apenas" uma boa parte de suas horas de lazer.

A dedicação dessas pessoas é uma inspiração. Oxalá que mais amantes da música larguem um pouco seus toca-discos e se dediquem a um fazer musical verdadeiro. Isso lhes trará incomparável satisfação e um insight que a experiência passiva de escuta - especialmente associada à reprodução mecânica de música - é incapaz de gerar. Música gravada é música morta. Quem faz música passa a entender um pouco aquilo que os outros só observam de fora. Quem faz música ouve música de uma maneira completamente diferente. Quem faz música adquire um respeito pela música viva e uma capacidade maior de curtir a experiência de escuta.




Isaac Karabtchevsky, nosso ex-Diretor Artístico, costumava dizer: "nada vem do nada".

Manfredo Schmiedt vem se dedicando a selecionar, treinar, ensaiar seus cantores há mais de 20 anos, enfrentando todas as dificuldades que advém do simples fato de se tratar de um grupo amador: pessoas que vêm e vão, falta de formação musical, só para mencionar duas.

A preparação vocal do Coro está atualmente nas mãos do barítono Ricardo Barpp. O Coro conta tbém com o regente assistente Diego Schuck. Dois músicos diferenciados, de grande talento, com quem já tive oportunidade de trabalhar algumas vezes.

Mas por que isso é importante, afinal?

Porque o grande repertório coral-sinfônico é parte importante da vida musical de qualquer comunidade. Algumas das obras mais geniais pertencem a esse gênero. Quando a voz humana e a palavra cantada se somam ao já complexo som de uma orquestra sinfônica, acontece alguma coisa que consegue transcender tanto a voz, a palavra, quanto a própria orquestra. Essa experiência é maravilhosa.

Porto Alegre e região têm muitos coros, então a música coral é relativamente bem difundida. Porto Alegre tem algumas (poucas) orquestras; desde o desmantelamento da Filarmônica da PUC, somente uma Sinfônica. A música orquestral está presente, ainda que não tanto como gostaríamos, e em constante risco. Entretanto, ouve-se muito pouco do grande repertório de oratórios e outras obras coral-sinfônicas. A paisagem musical fica incompleta. Nós músicos precisamos ouvir e praticar mais esse gênero. Nós instrumentistas de sopro muito particularmente; o coro é o modelo básico segundo qual o conceito de "naipe" deve ser moldado. Os estudantes de música precisam ouvir tbém.


O Réquiem Alemão conseguiu ressuscitar este Blog Brasileiro (que estava catatônico há muitos meses). Valeu, Johannes!